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Rudolf Brazda: "Alguns me consideravam uma mulher no campo de concentração"


udolf Brazda e Jean-Luc Schwab: eles se tornaram bons amigos


Em 1937, Rudolf Brazda foi preso na Alemanha acusado de "prática sexual não natural", incluindo "masturbação mútua" e "esfregar as partes genitais" em outros homens. Era assim que o regime nazista descrevia o comportamento homossexual, considerado crime e passível da mesma punição que a pedofilia. Depois de seis meses, Brazda foi solto, e mudou-se para a Tchecoslováquia. Em agosto de 1942, ele foi preso pelos nazistas novamente: parte do país onde havia se exilado foi anexado à Alemanha. Levado para o campo de concentração de Buchenwald, ficou lá até a rendição alemã, em abril de 1945.

Brazda se considera um homem de sorte. Por ser telhador de profissão, conseguiu um ótimo posto de trabalho durante a prisão. O campo estava em constante expansão com a chegada de novos prisioneiros, usados como mão-de-obra na extração de matéria-prima para a indústria bélica, já que a Alemanha estava em guerra. Fundamental para a expansão do campo, Brazda não era submetido a trabalhos forçados, ganhava comida extra, era menos vigiado que os demais prisioneiros e ainda podia ter seus encontros amorosos em paz.

A história deste homem é narrada pelo pesquisador Jean-Luc Schwab no livro Triângulo rosa – um homossexual no campo de concentração nazista, lançado há pouco pela Mescla Editorial. Schwab faz parte de uma associação dedicada ao reconhecimento da deportação de homossexuais pelo regime nazista e conheceu Brazda em 2008, quando este revelou à imprensa a sua história. O livro mostra um menino que sempre teve traços efeminados. A princípio queria trabalhar com alfaiataria, mas o destino se encarregou de fazê-lo um telhador – profissão que seria mais que bem-vinda anos depois. A vida quando jovem era normal: trabalho, festas e viagens com amigos, com a diferença que a maioria deles era homossexual, homem ou mulher (confira fotos no fim da reportagem). Mais tarde, esses relacionamentos serviram como prova para sua condenação nas mãos dos nazistas.

A organização da vida no campo de Buchenwald, narrada no livro, é muito parecida com a que foi descrita em Estação Carandiru, por Drauzio Varella. Cada prisioneiro tem uma vocação, uma obrigação: uns sofrem mais que outros, e tudo segue uma hierarquia rígida. Havia poucos judeus quando Brazda chegou ao campo, cerca de 300, porque ali não era uma campo de extermínio. Os presos eram identificados por cor: cada um levava um triângulo no uniforme. Quem havia sido preso por crime de homossexualidade, recebia o triângulo rosa – daí o nome do livro. O triângulo dos presos políticos era vermelho, dos criminosos comuns, verde, dos judeus, amarelo, e dos "antissociais e resistentes ao trabalho", preto.

Desde o fim da II Guerra Mundial, Brazda vive na França, na cidade de Mulhouse. Lá ele conheceu Edi, 18 anos mais jovem. Eles construíram uma vida feliz ao longo de 53 anos, de 1950 a 2003, quando Edi morreu, aos 73 anos. Hoje, aos 97 anos, Rudolf está acamado em um hospital, resultado de uma fratura recente na bacia. De lá, e com a ajuda de Jean-Luc Schwab, ele concedeu entrevista a ÉPOCA. Leia abaixo.
ÉPOCA – Como você vê os movimentos gays de hoje?
Rudolf Brazda – Tudo o que eu posso dizer é que sou feliz por sermos livres e por vivermos em circunstâncias democráticas, em que os homossexuais não precisem se esconder ou sentir vergonha em público pelo que são. Pelo pouco que eu conheço sobre a vida gay organizada, não é para mim, eu ainda fico perplexo vendo pessoas peladas nas ruas na Christopher Street Day [como é chamada a Parada Gay na Alemanha e na Suíça]. Ainda assim, ela mostra que os costumes evoluíram e que hoje somos aceitos. E isso é bom para mim. Eu também estou convencido de que a União Europeia é boa em promover os direitos da população gay, especialmente pelo maior número de países que não eram avançados quando passaram a reconhecer a união homossexual e a tratar os gays com igualdade.
Jean-Luc Schwab – Obviamente, Rudolf fala sob o ponto de vista da Europa Ocidental, que ele conhece melhor do que outros países intolerantes nesse mundo...

ÉPOCA – Existia uma divisão clara entre o trabalho das pessoas dentro do campo, dependendo da cor do triângulo?
Brazda – Eu não posso dizer isso. Todo mundo tinha que começar na pedreira e, então, juntaria-se a outro "kommando" [grupo de trabalho], o que dependia mais de seu treinamento e experiência profissional anterior do que pelo motivo que foi enviado ao campo de concentração. Eu tive sorte de ser telhador, porque telhadores qualificados eram sempre requisitados. Eu estava lá no momento certo, acho. Eu lembro, entretanto, que aos judeus eram ordenadas tarefas baixas e sujas. No meu kommando, eles tinham que aquecer o alcatrão que mais tarde seria aplicado nos telhados, o que era uma tarefa desagradável e suja.
Jean-Luc Schwab – Em 1942, ano em que Rudolf chegou a Buchenwald, a organização de trabalho no campo de concentração começou a ficar mais bem estruturado para uma produção de guerra eficiente. Antes disso, os campos eram a última forma de repressão aos oponentes políticos, judeus etc. Geralmente, pessoas que não aderiram ao ideal nazista, o que um um "bom cidadão" cumpridor da lei deveria fazer. Provavelmente essa foi a chance de Rudolf. E também o fato de ele ter afinidades políticas com os comunistas tornou mais fácil para ele ser aceito entre eles, que eram um grupo muito influente na organização clandestina do campo.

ÉPOCA – Existia algum tipo de preconceito em relação à homossexualidade dentro do campo de concentração? Como você reagia?
Brazda – Honestamente, eu não sentia preconceito dos outros prisioneiros em relação a mim por causa do meu triângulo rosa. Também porque eu era um pouco efeminado e alguns dos homens "normais" – leia-se: heterossexuais – não se importariam em ter relações sexuais comigo. Alguns deles me consideravam uma mulher! Sim, o campo era um lugar onde homens heterossexuais faziam sexo com outros homens, na ausência de mulheres... Claro que alguns tinham preconceito ou simplesmente ficaram com inveja da minha amizade com alguns comunistas. Eles deviam me ridicularizar. Eu tentei evitar os guardas da SS (polícia nazista) porque eles podiam ser muito brutais com os homossexuais. Mesmo se você não fizesse nada de errado, era exposto aos seus caprichos e, se eles se sentissem satisfeitos em te humilhar, não havia nada que você pudesse fazer para impedir. Por isso evitei me deparar com eles o quanto pude.

Arquivo
Brazda, no leito do hospital, vê o livro que fala sobre sua vida, na versão em português


ÉPOCA – Você teve contato com muitos judeus em seu cotidiano dentro do campo? Como eles eram tratados e o que relatavam?
Brazda – Eu me lembro de alguns incidentes envolvendo judeus:

• O jeito como alguns eram maltratados enquanto puxavam vagões cheios de pedras que tinham sido extraídas da pedreira. Cerca de uma dúzia tinha que puxar o vagão, usando cordas, para cima de uma rampa que ia desde a base até o topo da pedreira. Era muito íngreme e o vagão pesava cerca de 100 quilos! O "kapo" (que comanda o trabalho, também prisioneiro) da pedreira chicoteava seus subordinados nas costas e panturrilhas, dizendo que estavam trabalhando muito devagar!

• Eu me lembro de um judeu de quem o kapo da pedreira não gostava. Um dia, ele arremessou seu chapéu além da linha que os prisioneiros podiam ultrapassar, sob pena de morte. O judeu foi morto a tiros por um sentinela armado, alegando que ele estava tentando fugir. Essa era uma forma comum de se livrar de alguém. Tudo o que esses prisioneiros queriam era pegar seu chapéu de volta para evitar que fossem espancados na hora da chamada noturna. Retornar para o campo sem chapéu era o mesmo que retornar sem uniforme completo, o que era punido com 25 chicotadas.

• E como eles não recebiam comida extra, de vez em quando eu preparava um ensopado para os judeus do meu kommando. Tinha fogo para ferver alcatrão, uma fonte de calor que podíamos usar. A principal preocupação era não ser pego. E, durante o dia, pessoas do meu kommando não ficavam sob muita vigilância, então podíamos fazer coisas assim.

Jean-Luc Schwab – Buchenwald foi um campo de concentração, mas não um campo de extermínio. Havia um crematório para se livrar das pessoas que normalmente morriam de desnutrição, de maus tratos ou que eram executadas... Mas não havia câmara de gás. A presença judia em Buchenwald aconteceu em três fases:

• Da "abertura", em 1937, a 1942: judeus eram gradualmente enviados a Buchenwald, sendo centenas deles depois de novembro de 1938. Muitos foram chantageados a deixar seus bens para os nazistas em troca de uma possibilidade de deixar a Alemanha vivos, pelo menos antes da guerra começar. Depois disso, não havia possibilidade de serem libertados do campo.

• De 1942 a 1944: quando a "solução final para a questão judia" foi implementada, no começo de 1942, havia ao menos 800 judeus em Buchenwald (praticamente 100% do número total de presidiários à época). Na primavera, metade deles foi enviada para os centros de eutanásia ou para Auschwitz, para ser exterminados. Himmler (Heinrich Luitpold Himmler, comandante militar nazista) queria campos de concentração "livres de judeus" em solo alemão. Quando Rudolf chegou a Buchenwald (8 de agosto de 1942), havia apenas 300 judeus no campo de concentração e esse número não aumentou como as outras categorias de prisioneiros, a maioria poloneses, russos e pisioneiros políticos de outros países conquistados pela Alemanha.

• Na segunda metade de 1944, o número de judeus enviados a Buchenwald e seus campos satélites aumentou dramaticamente com a chegada dos judeus húngaros dos guetos de Budapeste e, no fim do ano, com os judeus evacuados de campos de extermínio, como Auschwitz. Um pouco antes dos nazistas começarem a esvaziar e evacuar Buchenwald em abril de 1945, o número total de prisioneiros era quase 50 mil. Depois da evacuação e da liberação do campo, havia 21 mil prisioneiros. Destes, 4 mil era judeus, cerca de 20% do total.
Resumindo, Buchenwald não pode ser considerado um campo de concentração de maioria judia, como eram os campos de extermínio de Auschwitz, Treblinka, Chelmno etc.

ÉPOCA – O que você esperava de sua vida quando estava preso?
Brazda – Eu não fazia ideia do que aconteceria comigo. Até então, eu havia entendido que os homossexuais não eram bem-vindos na Alemanha nazista, mas eu não fazia ideia de como eu iria terminar no campo de concentração... Uma vez lá, vivíamos na crença de que, se Hitler ganhasse a guerra, seríamos mandados para a África, em colônias penitenciárias em territórios anexados da França e da Inglaterra!

ÉPOCA – O que você costuma dizer para os mais jovens sobre suas escolhas e sobre as coisas que aprendeu com elas?
Brazda – Eu digo a eles que é bom viver em uma democracia e que eles devem estimar isso. Também digo que devem aproveitar a liberdade da maneira que puderem. Eles têm muita sorte por não terem passado por uma guerra. Eu tenho consciência de que tive uma vida feliz depois do campo de concentração e me sinto agradecido por isso: pude viver como qualquer outro, com a pessoa que amava. Nós construímos nossa casa sozinhos, e passamos bons tempos juntos. Ainda hoje, que meu fim está próximo, estou feliz por estar vivo e não me importo com o que as pessoas pensam de mim.

ÉPOCA – Você assumiu o seu passado há pouco tempo. Foi difícil? Conte sobre essa experiência.
Brazda – Não foi exatamente difícil: às vezes eu falava sobre isso em particular, mas não em público. Só em 2008, quando eu soube da inauguração do monumento às vítimas homossexuais do nazismo em Berlim, que eu decidi me tornar conhecido. Nessa época, Edi, meu companheiro, havia morrido há quase 5 anos. Eu pedi a uma sobrinha que vive em Berlim para se informar (sobre o monumento), mas ela só entrou em contato com os organizadores poucos dias antes da cerimônia. Depois disso, eu fui convidado para ir a Berlim. Foi assim, por meio da mídia, que pessoas de vários lugares do mundo ouviram sobre mim. Eu não esperava que minha história fosse provocar tanto interesse. Jean-Luc Schwab também ouviu sobre mim nessa época. Ele morava perto e nos encontramos logo em seguida. Inicialmente, ele vinha à minha casa para me fazer perguntas e gravar as entrevistas. Ao logo dos meses, ele se tornou um grande amigo, que me ajudou muito em meu dia-a-dia: nas questões administrativas, compras, e assim por diante. Eu estou feliz que ele tenha aparecido na minha vida. Se não fosse por ele, eu poderia nem estar aqui hoje. Ele também é um dos que me persuadiram a participar de conferências e outros eventos onde o destino dos homossexuais perseguidos é lembrado e discutido.

ÉPOCA – Como é sua vida hoje e como passa o tempo?
Brazda – Se não fosse por uma queda em abril que fraturou o osso da bacia e me deixou preso no hospital, eu provavelmente estaria em casa, ou em uma casa de repouso para idosos, descansando, assistindo TV e recebendo visitas de amigos. Ocasionalmente, eu sou convidado para falar em algum encontro, seja de organizações GLBT ou sobre os memoriais de deportação. Mas está ficando muito difícil para mim agora: um ano atrás, eu ainda era capaz de cuidar de mim mesmo, cozinhar, lavar, passar roupa, fazer compras no supermercado local etc. A partir da primavera do ano passado, passou a ficar mais difícil para andar, mas eu ainda podia administrar minha vida. Agora, é quase impossível andar e eu tenho que usar uma cadeira de rodas. Ainda assim, se me pedirem para palestrar em algum evento, vou fazê-lo, desde que não seja muito longe de Mulhouse...

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